segunda-feira, julho 10, 2006

O Velório

Em minhas caminhadas pela Ilha Grande, muitas vezes fiquei na casa dos meus amigos Valter e Ângela que moravam numa aconchegante casa caiçara num cantinho paradisíaco do Saco do Céu. Era o meu porto seguro onde eu encontrava carinho e total apoio. Certa ocasião ele começou a se sentir mal e acabou internado no Hospital Central da PM, onde infelizmente veio a falecer. Uma perda lamentável que me deixou profundamente triste e até hoje tenho saudades.
O corpo saiu do Rio de Janeiro pela manhã em direção a Mangaratiba de onde seguiria numa lancha até a Enseada das Estrelas, e depois da homenagem até o cemitério no Abraão. Eu e os familiares mais próximos chegamos em Mangaratiba antes do carro da funerária. Uma hora depois, começamos a nos perguntar se já não era hora dele ter chegado. Mais uma hora e nada... Ligamos para a funerária e esta também estranhou a demora. Tentamos contato via celular com o motorista e só dava “fora da área de cobertura”. Começamos então a perguntar aos motoristas de ônibus que chegavam se não tinham visto algum carro funerário enguiçado pelo caminho. E a resposta era sempre a mesma: Não. Não vi nada parecido. Horas depois, chegou o dono da funerária e o mistério ficou ainda maior, pois também ele não vira pelo caminho o seu funcionário com o corpo do nosso querido amigo e irmão.
Começava a escurecer quando chegou a Kombi e seu motorista apavorado por ter se perdido no caminho. Ao invés dele vir pela Rio-Santos (BR-101), ele acabou seguindo pela Via-Dutra até Barra Mansa e depois descendo a serra da Bocaina até Angra e mais 30 quilômetros até Mangaratiba. Assim, o enterro já não seria mais no mesmo dia e o povo do Saco do Céu se preparou para uma noite de velório.
Colocamos o esquife sobre a lancha e sentamos nas laterais sem despregar o olho do que parecíamos enxergar através daquela tampa de madeira. Deixamos o Porto de Mangaratiba com um rastro de luz produzido pelos fitoplânctons agitados pela hélice do motor. A lua surgiu no horizonte, cheia e tão grande, que pensei se tratar de um novo planeta. O mar estava calmo e o céu tão límpido, que o brilho da Lua não interferia no brilho das estrelas.
Como se sabe, o Saco do Céu não é visível para quem passa ao largo e assim fomos entrando no canal e aos poucos fomos visualizando o cais, que para nossa maior emoção, estava empilhado de pessoas com velas acesas formando uma procissão. A lancha encostou suavemente e o caixão foi içado. Três pares de mãos o seguraram e fomos atrás passando por entre fileiras iluminadas e o povo todo cantando:
“Se as águas do mar da vida
Quiserem te afogar,
Segura na mão de Deus e vai!
Se as tristezas desta vida
Quiserem te sufocar,
Segura na mão de Deus e vai!

Segura na mão de Deus.
Segura na mão de Deus.
Pois ela, ela te sustentará.
Não temas, segue adiante
E não olhes para trás,
Mas segura na mão de Deus e vai!...”

Seguimos até a Igreja de São Cosme e São Damião onde o nosso amigo ficou descansando entre os santos e as fervorosas orações dos fieis. Como era querido o Valter!!! Como foi triste aquela noite!!!
As horas passavam lentamente e Lua era tão brilhante que parecia esquentar. Sentado sob uma imensa árvore, rodeado dos amigos mais velhos e entre inúmeros cafezinhos e saborosas fatias de bolo de fubá, eu ia tomando conhecimento das mais fantásticas histórias de assombração e tesouros enterrados.
Pela manhã, dezenas de barcos saíram em procissão acompanhando o barco maior, até que chegamos ao Abraão. No caminho para o Campo Santo, os turistas paravam em respeito, os que estavam sentados levantavam e quem tinha chapéu, tirava-o em flexão. Derramei minha pá de cal e saí dali me sentindo num outro mundo. Alegre e ao mesmo tempo triste.