segunda-feira, julho 10, 2006

O Velório

Em minhas caminhadas pela Ilha Grande, muitas vezes fiquei na casa dos meus amigos Valter e Ângela que moravam numa aconchegante casa caiçara num cantinho paradisíaco do Saco do Céu. Era o meu porto seguro onde eu encontrava carinho e total apoio. Certa ocasião ele começou a se sentir mal e acabou internado no Hospital Central da PM, onde infelizmente veio a falecer. Uma perda lamentável que me deixou profundamente triste e até hoje tenho saudades.
O corpo saiu do Rio de Janeiro pela manhã em direção a Mangaratiba de onde seguiria numa lancha até a Enseada das Estrelas, e depois da homenagem até o cemitério no Abraão. Eu e os familiares mais próximos chegamos em Mangaratiba antes do carro da funerária. Uma hora depois, começamos a nos perguntar se já não era hora dele ter chegado. Mais uma hora e nada... Ligamos para a funerária e esta também estranhou a demora. Tentamos contato via celular com o motorista e só dava “fora da área de cobertura”. Começamos então a perguntar aos motoristas de ônibus que chegavam se não tinham visto algum carro funerário enguiçado pelo caminho. E a resposta era sempre a mesma: Não. Não vi nada parecido. Horas depois, chegou o dono da funerária e o mistério ficou ainda maior, pois também ele não vira pelo caminho o seu funcionário com o corpo do nosso querido amigo e irmão.
Começava a escurecer quando chegou a Kombi e seu motorista apavorado por ter se perdido no caminho. Ao invés dele vir pela Rio-Santos (BR-101), ele acabou seguindo pela Via-Dutra até Barra Mansa e depois descendo a serra da Bocaina até Angra e mais 30 quilômetros até Mangaratiba. Assim, o enterro já não seria mais no mesmo dia e o povo do Saco do Céu se preparou para uma noite de velório.
Colocamos o esquife sobre a lancha e sentamos nas laterais sem despregar o olho do que parecíamos enxergar através daquela tampa de madeira. Deixamos o Porto de Mangaratiba com um rastro de luz produzido pelos fitoplânctons agitados pela hélice do motor. A lua surgiu no horizonte, cheia e tão grande, que pensei se tratar de um novo planeta. O mar estava calmo e o céu tão límpido, que o brilho da Lua não interferia no brilho das estrelas.
Como se sabe, o Saco do Céu não é visível para quem passa ao largo e assim fomos entrando no canal e aos poucos fomos visualizando o cais, que para nossa maior emoção, estava empilhado de pessoas com velas acesas formando uma procissão. A lancha encostou suavemente e o caixão foi içado. Três pares de mãos o seguraram e fomos atrás passando por entre fileiras iluminadas e o povo todo cantando:
“Se as águas do mar da vida
Quiserem te afogar,
Segura na mão de Deus e vai!
Se as tristezas desta vida
Quiserem te sufocar,
Segura na mão de Deus e vai!

Segura na mão de Deus.
Segura na mão de Deus.
Pois ela, ela te sustentará.
Não temas, segue adiante
E não olhes para trás,
Mas segura na mão de Deus e vai!...”

Seguimos até a Igreja de São Cosme e São Damião onde o nosso amigo ficou descansando entre os santos e as fervorosas orações dos fieis. Como era querido o Valter!!! Como foi triste aquela noite!!!
As horas passavam lentamente e Lua era tão brilhante que parecia esquentar. Sentado sob uma imensa árvore, rodeado dos amigos mais velhos e entre inúmeros cafezinhos e saborosas fatias de bolo de fubá, eu ia tomando conhecimento das mais fantásticas histórias de assombração e tesouros enterrados.
Pela manhã, dezenas de barcos saíram em procissão acompanhando o barco maior, até que chegamos ao Abraão. No caminho para o Campo Santo, os turistas paravam em respeito, os que estavam sentados levantavam e quem tinha chapéu, tirava-o em flexão. Derramei minha pá de cal e saí dali me sentindo num outro mundo. Alegre e ao mesmo tempo triste.

terça-feira, junho 27, 2006

O Anjo da Guarda

A história que eu vou contar aqui não é nenhuma novidade para muitos trilheiros acostumados a caminhar por trilhas na mata ou mesmo numa calçada urbana. Entretanto, pouco se fala desses amigos que por diversas vezes encontramos pelo caminho e que de livre e espontânea vontade nos acompanham por horas a fio e depois, ao chegarmos são e salvos e em ótima companhia, eles retornam sozinhos nos deixando com saudades.

Quando eles aparecem, a segurança aumenta consideravelmente; pois eles ouvem muito bem, tem noção do que se passa no ar a quilômetros de distância e são capazes de enxergar o que há por debaixo das folhas. Alguns ficam tão amigos, que acabam acompanhando para sempre quem os aceitou. Eu tive o prazer de caminhar por diversas vezes com esses amigos e confesso, foram as caminhadas mais divertidas que já fiz. Porém, teve um dia que a coisa foi diferente e se não fosse um anjo da guarda desses, acho que eu poderia ter sofrido algum acidente sério.

Tudo começou quando cheguei a Mangaratiba e vi a barca que eu ia pegar para o Abraão a menos de 50 metros do cais indo na direção da Ilha Grande. Deu vontade de pular na água e nadar para alcançá-la. Desapontado, olhei em volta para ver se via algum barco que pudesse estar indo para o mesmo destino. Por sorte, o comandante de uma pequena traineira disse que em algumas horas estaria indo para o Saco do Céu. Minha alegria voltou. Relaxei e aproveitei para andar pela cidade, conhecendo seu casario e monumentos do tempo do Império. É uma pena, mas a maioria dos turistas que fervilham na praça em frente ao cais não faz idéia dos tesouros que esta singela cidade abriga. Um dia contarei como era acampar na deserta praia do Saí, quando ainda não existia a Rio Santos e a melhor condução para se chegar era de “Macaquinho”. Um pitoresco trem de madeira que ia costeando o litoral desde Santa Cruz (subúrbio do Rio de Janeiro) até Mangaratiba.

Chocante o danado do trenzinho!!! Tinha primeira classe, segunda e a econômica, que era a melhor de todas. Ao chegarmos a Saí, antes mesmo do trem parar na estação, jogávamos as mochilas nas dunas e pulávamos atrás delas para desespero dos lagartos que saiam desembalados pela vegetação rasteira. Depois de cruzarmos uma espécie de deserto, com vários oásis de arbustos, cactos e lagos triscando de camarões, chegávamos à praia, onde desembocava um imenso rio. A nossa frente e bem próxima (dava para ir andando na maré baixa), uma ilha deserta, com uma praia de conchinhas e algumas árvores frutíferas perdidas na mata. Vou tentar localizar as fotos dessas aventuras e um dia eu conto como Mangaratiba marcou a minha vida.
Como eu estava dizendo - feliz da vida por ter encontrado um barco, sai pela cidade sem direção enquanto passava o tempo. Em algum momento cheguei a pensar em seguir até Angra e apanhar a barca da tarde. Pois apesar de o barco me levar para a Ilha, do Saco do Céu ao Abraão implicaria em ter de fazer uma caminhada de quase duas horas; o que seria até agradável, sem sombra de dúvidas, o problema é que isso não tinha hora para acontecer.

- “Depois do almoço”. Disse-me o barqueiro.
Relaxei e fui tomar um café completo num bar antigo em frente à praça principal. Enquanto isso, aproveitei para organizar o material do trabalho de pesquisa sobre A Pesca Predatória na Baia da Ilha Grande, que eu e mais um grupo de amigos do curso de pesca estávamos empenhados a concluir. Naquela época, existia na Ilha dezenas de indústrias de pescado que processavam por dia toneladas de sardinhas. Com as redes ficando cada vez maiores e em maior número, elas acabaram se extinguindo, o que fez naufragar as fábricas levando junto os artesões do mar.

Avisei ao barqueiro que eu estava na praça, caso ele precisasse me localizar. Por volta das duas horas da tarde, um vento súbito fez voar pelo jardim as folhas de papel e algumas eu até cheguei a perder. Nisso, chegou apressado o barqueiro me chamando para partirmos logo, pois estava previsto um temporal para as próximas horas e que ele queria chegar à Ilha antes dele desabar. Não tive tempo de raciocinar a atitude que eu estava tomando em sair apressado atrás daquele amigo e quando vi, eu já estava dentro do barco, agora com o cais a 50 metros de mim e ficando cada vez mais longe. Olhei para o céu e não vi nada que pudesse parecer que o tempo iria mudar, até o vento tinha cessado. Acomodei-me no pequeno espaço do convés e como de costume fiz o sinal da cruz, depois de molhar a ponta dos dedos na água do mar
.
Num toc, toc, contínuo do motor, Mangaratiba foi ficando para trás e a Ilha Grande parecia que não se aproximava nunca. Foi então que percebi que alguma coisa estava por acontecer. Vi surgir por de trás da ilha uma imensa muralha de nuvens que não tinha fim. Fui até a cabina, que só cabia o barqueiro, perguntar a ele o que achava daquilo. Imediatamente ele mandou que eu pegasse a mochila e ficasse ali com ele, pois íamos enfrentar mar revolto. Procurei imediatamente por um salva-vidas e fui informado que não tinha. Só uma bóia de isopor que estava amarrada na lateral do barco. Fui até lá a apanhei trazendo-a para dentro da cabina. O sorriso do barqueiro me deixou tranqüilo por algum momento, pois demonstrou que ele já estava acostumado a enfrentar situações adversas.

Estranhamente, naquele momento o mar estava sereno e nenhum sinal de vento. Mas não demorou muito e o sol sumiu atrás dos imensos cogumelos brancos que ficaram cinza deixando à tarde com aparência de noite. O vento chegou em rajadas que crispava a água e lançava respingos doloridos. Raios para todos os lados; alguns pareciam subir da Ilha para o céu, outros ribombavam no momento da faísca e deixavam um sinistro cheiro de alho no ar. O Oxigênio, depois de fritado pelo raio, transforma-se em Ozônio o qual tem mais ou menos esse cheiro. Não demorou muito as ondas começaram a ficar cada vez mais altas e por vezes a Ilha Grande sumia quando o minúsculo barco se encontrava no fundo, entre as duas paredes de água – a que passou e a que vinha. Meu estômago virou um iô-iô até que um incidente me encharcou de adrenalina e eu esqueci o enjôo.

O barco não conseguia mais enfrentar as ondas e por diversas vezes quase ficou de lado correndo o risco de naufragar. O barqueiro, que não parava de girar o timão para todos os lados, olhou pela janela redonda e constatou que a âncora havia se soltado e que estava no fundo travando o barco. Acabou sobrando para mim, que a muito custo fui rastejando e me agarrando a tudo que podia até alcançar a corda. Logo percebi que não seria fácil, parecia que a âncora estava agarrada de tão pesada e dependendo se o barco estivesse descendo ou subindo uma onda, ela ficava mudando de direção. Consegui fazer um laço na corda e enfiei nele o meu braço para eu não ser lançado fora do barco. Ao mesmo tempo fiquei preocupado se ele virasse e eu ficasse preso a ele. Aos poucos a âncora foi subindo até que consegui içá-la para o convés. Amarrei-a com certo exagero para que não mais se soltasse e voltei para a cabina sob uma torrencial chuva e ondas de dar inveja ao Havaí.

O barco voltou a seguir valente subindo e descendo ondas, embora sem rumo certo, pois não se enxergava um palmo à frente e não tinha bússola. Parecia que era noite e só conseguíamos enxergar a silhueta da Ilha quando um raio acendia. Por fim, depois de duas horas e meia de travessia milagrosamente entramos pela boca do Saco do Céu depois de cruzarmos com a barca que saiu de Angra. Já em águas mais tranqüilas, pisei nas areias da praia do Galo com a sensação de ter saído de uma montanha russa infindável.
O pior parecia que já tinha passado, pois a chuva diminuiu e já dava para se ver a paisagem. Depois de muito elogiar a bravura do barqueiro e me condenar por ter entrado na pilha dele para navegarmos antes do temporal, sai caminhando como um frango molhado na direção do Abraão. A sede era tanta, que bebi da primeira água que encontrei.

Quase não consegui passar pelo Rio Perequê de tão cheio, e pelas marcas da água nas margens dava para ver que o volume já tinha sido o dobro. Agora, totalmente molhado e com o queixo tremendo de forma incontrolável, segui pela praia de Fora e me apavorei de vez. Não tinha praia, era tudo água e com ondas. Ao chegar à praia do Camiranga a mesma coisa. Atravessar o rio Camiranga com pororoca nunca me aconteceu. Pensei no Rio da Feiticeira mais à frente, que se estivesse cheio assim, seria impossível atravessá-lo. A noite chegou.

Depois de subir escadaria que parecia cascata, cheguei na trilha que mais parecia riacho. Pelo som do rio que descia no fundo da mata à esquerda, dava para imaginar o sufoco que iria ser atravessá-lo mais acima. A trilha ficou escura e precisei quase que esvaziar a mochila para apanhar a lanterna, que por não contar em usá-la, coloquei-a no fundo.

Aproveitando que tinha tirado boa parte da roupa para fora, troquei as molhadas por secas, pois o frio já estava ficando insuportável. Não adiantou nada, pois a chuva voltou com força. Tratei de acelerar o passo na direção de um som de cachoeira cada vez mais próximo e receoso de que uma cabeça d'água pudesse estar se formando no rio da Feiticeira. Uma pedra redonda, lisa e submersa me atirou de cara na lama sem dar tempo de salvar a lanterna que ficou em pedaços e levados pela água trilha a baixo. Na tentativa de acender o isqueiro, ele se molhou e não acendeu mais. Eu estava literalmente no mato sem cachorro e o único jeito de escapar com vida era ficar onde eu estava e esperar o dia clarear. Em meio a um céu cadente de pirilampos, um deles ficou agarrado em meu casaco de lã e pude perceber que sua luz era tão forte, que dois deles daria para iluminar de verde o caminho. Era uma espécie de vaga-lume, que ao invés de piscar o traseiro, tinha os olhos acesos como dois faróis. Tentei em vão apanhar mais dessas luzes errantes, mas era difícil ficar em pé na trilha. Aos poucos minha visão foi se habituando ao escuro  e dava para distinguir o que era caminho e o que era grota.

O barulho do rio era próximo, mas nunca chegava. Nisso, um vulto branco começou a se aproximar e fiquei petrificado por alguns segundos até que gritei: ÔÔÔPA!!! A mancha branca parou e seja lá o que fosse, tinha olhos, pois de relance pude perceber o brilho. “QUEM ESTÁ AÍ?” E a coisa continuava parada. Nisso, um raio passou perto e um flash de luz me mostrou quem era o fantasma que além do frio, me arrepiava a alma. Tratava-se de um cão andarilho, desses que costumam seguir os trilheiros de praia em praia. Alguns, até são adotados por eles, Quanto ao meu cão, estalei os dedos e emiti com a boca o som universal de chamada de cães e ele se aproximou. Aceitou meu carinho e me sujou mais ainda quando ficou em pé apoiado em mim. Depois de muitos afagos e amizade selada, ele espontaneamente começou a caminhar de volta e eu o segui. De tão branco, era a única luz que eu enxergava.
Não sei como consegui passar pelas pedras do Rio da Feiticeira. Até hoje não entendo o caminho que aquele anjo me fez seguir e nem encontro as mesmas pedras. Várias vezes ele parava me deixando tocá-lo e nestas horas comíamos biscoitos recheados com chocolate. Depois da subida, a descida com pontos críticos importantes como um profundo vale à direita, mas meu amigo “Gasparzinho”, como passei a chamá-lo, me conduzia de perto até que avistei, feito vaga-lumes, as primeiras luzes do Abraão por entre os galhos. Depois de muitos tombos e lambidas de afago, chegamos ao aqueduto.  Meu anjo da guarda tomou a direção do Lazareto, enquanto que a minha intenção era a de seguir à direita, atravessando o rio que forma o Poção. Vendo que eu ia para uma furada, ele latiu, e logo vi que seria impossível passar pelo rio. Segui então os conselhos do meu anjo da guarda e logo chegamos à ponte do Lazareto. Foi quando aconteceu um impasse: O cão parou e não quis mais seguir a estrada. Terminamos com o saco de biscoitos e foi uma despedida que me deixou triste por muitos dias. Em pouco tempo ele sumiu na curva e até hoje penso que vou vê-lo de novo.

domingo, abril 09, 2006

A Ilha Grande ganha um Guia



A ideia de escrever o livro “Caminhos e Trilhas da Ilha Grande” começou no dia em que pela primeira vez pisei na Ilha Grande, quando fui ciceroneado pelos amigos Jovino e Sandra. Jovino era guarda no Presídio e com ele tive a oportunidade de conhecer Dois Rios quando isso era quase impossível para quem não tivesse relação com o presídio.

Naquela época, o movimento hippie tomava conta do mundo. Hoje a guerra é quente, mas naquele tempo era fria, ainda que em alguns lugares ela pegasse fogo. Era comum ficarmos discutindo se a União Soviética poderia mesmo mandar um míssil na cabeça dos americanos e estes, em resposta ao ataque, também mandar outro na cuca dos russos. Seria o fim do mundo, e que conforme uma profecia acabaria em fogo até o ano 2000. E parecia que o mundo ia acabar mesmo! O Cometa Halley se aproximava cada vez mais rápido em direção do Sol e se a Terra estivesse no caminho seria o fim dos tempos. Eita tempinho bom!!! Os extraterrestres apareciam de montão, várias pessoas foram abduzias, Lulu Santos viu um óvni sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, Raul Seixas também andou vendo alguns e tinha até música para marciano da Rita Lee. Ante tantas ameaças, só nos restava aproveitar a vida. Assim, de barraca e mochilas abarrotadas de macarrão e extrato de tomate às costas, partíamos em busca de aventuras nos lugares mais idílicos possíveis, para que assim, se o mundo acabasse naquele dia, ao menos levaríamos boas recordações da Terra.

Nessas andanças pela ilha, comecei a criar mapas com anotações diversas para auxiliar os amigos que queriam caminhar mais afastados do Abraão, como Palmas, Lopes Mendes, Castelhanos, Caxadaço, Parnaioca e Aventureiro. Todas essas praias eram habitadas por comunidades caiçaras que viviam da pesca e da lavoura de subsistência. A diversão maior eram as festas religiosas e o “calango”, uma dança de arrasta-pé embalada pela sanfona, pandeiro e triângulo e que hoje em dia não levanta mais poeira nos terreiros das casas de pau a pique. Porém, caminhar pela Ilha Grande não era tão fácil assim. Era impossível andar pelas trilhas despreocupadamente, olhando os pássaros, os bugios, as flores... Qualquer lagarto que andasse no mato sempre nos deixava de prontidão e às vezes de cabelos em pé ante a possibilidade de ser um preso foragido, que por certo, tentaria dar cabo da pessoa para não correr o risco de ser denunciado. Assim, guardei minhas anotações e abandonei a ideia de fazer um guia.

Em 1999, a convite do meu amigo Fernando Braga, fui assistir a uma apresentação de slides na UNICERJ (União de Caminhantes e Escaladores do Rio de Janeiro) do montanhista Ricardo Borges (meu primeiro guia de escaladas) sobre suas façanhas nos Andes. Acabei ficando sócio do clube e começou uma nova fase em minha vida - Caminhar e escalar pelas matas e montanhas do Rio de Janeiro. Foi assim, que numa caminhada pela Floresta da Tijuca eu conheci o seu Diretor Pedro da Cunha, que estava empenhado no trabalho de recuperação da floresta, restauração de trilhas, fechamento de corta-caminhos e sinalização. Numa caminhada sinalizando a trilha para o Pico da Tijuca, conversamos sobre seu recente livro “Novas Trilhas do Rio” e nesta oportunidade lhe falei da minha ideia de escrever um livro sobre as trilhas da Ilha Grande nos mesmos moldes do seu livro; mostrando os sobes e desces, os dobre à esquerda e à direita e os pontos críticos. Fiquei pasmo quando ele me disse que este também era um de seus projetos.

Confesso me senti confuso pelo fato de estar concorrendo com a mesma ideia de tão prezado amigo. Minha bagagem era miserável frente ao legado que o Pedro acumulara nas suas pesquisas e experiências. Entretanto, ficou combinado de fazermos o livro juntos e continuei a caminhar pela Ilha, dando várias voltas gravando e anotando cada detalhe das trilhas e dos lugares, além de passar enfurnado dois anos em bibliotecas e arquivos em busca de sua história. Além das trilhas da Ilha Grande, também acabei me envolvendo com as trilhas de Paraty, que acabaram fazendo parte do mesmo guia.

Era o ano de 2004, quando o editor da EneLivros me ligou dizendo que tinha gostado dos rascunhos e me convidou a comparecer à editora para discutirmos o assunto. Isso é tudo que um escritor de primeira viagem quer ouvir de uma editora, que seu livro foi contemplado e será editado. Porém, a minha alegria durou pouco quando pensei no livro que o Pedro estava escrevendo. Não tinha outra saída se não procurá-lo para lhe dizer o que estava ocorrendo. Nesta busca, descobri que ele estava trabalhando como diplomata em Sidney na Austrália e fiquei ainda mais arrasado. Decidi então lhe enviar um e-mail falando do assunto e em anexo um resumo do livro. 

Uma semana depois recebi sua resposta e confesso que foi uma das maiores emoções que já senti na vida. O Pedro não só apoiava minha conquista como também me enviou o prefácio do livro.


Com a consciência tranquila, aceitei o convite da editora. No dia marcado para a reunião, o editor me diz que eram dois livros e não um como eu imaginava. Ou seja: Ilha Grande ou Paraty. Fiz um sorteio e deu Ilha Grande e assim saiu o primeiro livro da Série Maravilhas do Rio. O de Paraty descansa numa pasta de arquivo esperando ser aberto um dia.


Prefácio


Pedro da Cunha e Menezes

é especialista em Unidade de Conservação Urbanas e Ex-Diretor Executivo do Parque Nacional da Tijuca. Em suas viagens pelo mundo, caminhou por trilhas nas matas africanas, desertos e parques. Escalou montanhas como o Kilimanjaro e mergulhou em oceanos e mares ao lado de tubarões brancos e subiu rios em busca de suas nascentes, como fez numa expedição ao rio Nilo.

"Desde pequeno frequento a Ilha Grande. Durante anos fiz diversos passeios até o Abraão para aproveitar as praias da Ilha, atravessei o canal que a separa do continente em viagens de lancha até Lopes Mendes, em busca das ondas perfeitas, ou ainda dei algumas escapadas de fim de semana para percorrer as idílicas trilhas da Ilha. Fosse para uma rápida subida ao Bico do Papagaio ou uma cabritada mais longa de dois ou três dias, pulando de praia em praia; ir a Ilha Grande sempre foi um prazer. A cada uma dessas visitas, contudo, sempre sonhava em voltar à Ipaum-guassu dos índios tupiniquins para percorrê-la por inteiro, circunavegando a maior ilha do Estado do Rio (a mais bela do Brasil!).

Não era a distância, percorrível em confortabilíssimos 10 dias de caminhada, que me impedia de completar a empreitada. Afinal, já percorri trilhas mais longas como a Great Nort Walk na Austrália, que demanda duas semanas inteiras de pé no chão para terminar seus 250 quilômetros de extensão. Sempre, de uma forma ou de outra, faltava tempo, faltava informação. Quando ir? Onde dormir? O que visitar? Amante incorrigível da História do Rio de Janeiro, não queria visitar a Ilha sem antes saber tudo sobre ela. Quando Orígenes Lessa esteve por lá preso? Quem construiu o Lazareto? Onde aportou o corsário Duclec antes de invadir a Cidade do Rio de Janeiro em 1710? Em qual enseada escondia-se o corsário Jorge Grego, para tocaiar os navios portugueses pejados com o ouro de Paraty? Como foi mesmo que o presidiário Escadinha escapuliu de helicóptero do presídio de Dois Rios? Quais são os limites do Parque Estadual? E os da Reserva Biológica?

Agora não tem mais desculpas. José Bernardo acaba de lançar, pela editora (...),  Caminhos e Trilhas da Ilha Grande, o mais completo guia já compilado sobre este paraíso ecológico Fluminense. Apaixonado frequentador da Ilha, desde os tempos em que, por conta do presídio, turistas não eram bem vindos, Bernardo passou décadas pesquisando sua história. Devorou livros, pesquisou diários de naturalistas e botânicos europeus que nos visitaram no Século XIX, escarafunchou arquivos, leu coleções de jornais antigos e gravou depoimentos de moradores, visitantes e especialistas em meio ambiente.

Do ponto de vista da História, Caminhos e Trilhas da Ilha Grande é irretocável. Seu mérito maior, contudo, não está nas citações de Graciliano Ramos, ex-presidiário de Dois Rios, mas na riqueza de conhecimento adquirido pelos pés do autor do livro. De tanto caminhar ao redor da Ilha Grande, Bernardo conhece Ipaum-guassu como a palmilha de seus pés. Sabe onde estão as suas mais belas cachoeiras, suas mais privativas enseadas, suas mais reclusas praias, suas mais bonitas trilhas, seus mirantes desabridos. Conhece os lugares onde os macacos fazem a algazarra vespertina, onde as flores brotam na primavera, onde os golfinhos bailam sobre as ondas. Mais do que isso, Bernardo dormiu nas pousadas, montou a barraca nos campings, comeu nos restaurantes e passeou nas traineiras. Em fim, em se tratando de Ilha Grande, tudo fez. Bernardo não é sovina. Divide com o leitor todo esse vasto e único cabedal, decodifica os caminhos e rumos da Ilha Grande para qualquer caminhante um pouco mais ousado. Não há desculpas! Graças a José Bernardo, a Ilha Grande abre-se aos trilheiros de todo o Brasil.

Humildemente agradecemos o regalo!

O Livro

"Caminhos e Trilhas da Ilha Grande", descreve uma das mais belas caminhadas de longo curso do Estado do Rio de Janeiro. A narrativa levará o leitor a conhecer cada praia, caminhando por trilhas na mata, cruzando riachos, cachoeiras e contemplando espetaculares paisagens no decorrer da travessia. Colocando o excursionista em permanente contato com a luxuriante fauna e ativa fauna.
A descrição dos diferentes caminhos é marcada por uma suave narrativa, o que lhe confere contornos de um relato de aventura, convidando o leitor a compartilhar dessas experiências. Além disso, mais do que uma simples descrição topográfica das trilhas em questão, o livro apresenta ao leitor diferentes histórias sobre cada ponto de sua viagem, conferindo a cada paisagem, cor, vida e identidade. Seduzindo dessa forma, tanto o caminhante que o utilize como guia de viagem, bem como o leitor ocasional.
Para informações de como adquiri-lo, escreva para: jbtravessia@ilhagrande.org